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A nova Lei Geral do Esporte (Lei nÂș 14.597/2023) e o Estado interventor

  • Foto do escritor: Tisi Advocacia
    Tisi Advocacia
  • 16 de jun. de 2023
  • 4 min de leitura

O Direito Desportivo no Brasil ainda é matéria de pouca discussão e até mesmo difusão, mormente ao verificarmos que nas universidades brasileiras é raramente ministrada a referida disciplina, nem sequer como matéria optativa.


Nada obstante, o desporto representa tema que desperta bastante interesse nos estudantes e operadores do Direito, o que tem alterado um pouco esse quadro nos Ășltimos anos, refletindo na prĂłpria legislação.


Com efeito, a legislação desportiva foi alvo de substanciais alteraçÔes em um relativo curto espaço de tempo. Veja que, apĂłs a constitucionalização da Justiça Desportiva, com a inserção do artigo 217 na Constituição da RepĂșblica, foi promulgada a Lei 8.672/93, popularmente conhecida como Lei Zico; logo apĂłs, em 2008, a Lei 9.615/98, chamada de Lei PelĂ© e, ainda mais recentemente, a Lei da Sociedade AnĂŽnima do Futebol - SAF (Lei nÂș 14.193/2021).


Retratando a contemporĂąnea efervescĂȘncia do estudo do Direito Desportivo – talvez motivada por grandes eventos ocorridos no paĂ­s (Copa do Mundo e OlimpĂ­adas) – em outubro de 2015 foi instalada no Senado uma ComissĂŁo TemporĂĄria visando Ă  apresentação de um anteprojeto de uma nova Lei Geral do Esporte, que substituiria a legislação em vigor, em especial a Lei PelĂ©, visando modernizar a legislação sobre o tema.


Fruto desse trabalho, em 15/06/2023 foi sancionada pelo Presidente da RepĂșblica a Lei Geral do Esporte (Lei nÂș 14.597/2023), que surge como mais um ingrediente a despertar a curiosidade da comunidade jurĂ­dica, merecendo a atenção dos que nesta seara laboram ou almejam laborar, justamente porque, mais uma vez, a Lei Geral do Esporte apresenta considerĂĄveis alteraçÔes sobre a matĂ©ria.


De início, na esteira da diretriz constitucional, que atribui ao Estado o dever de fomentar pråticas esportivas (art. 217, CF), nota-se que a Lei Geral do Esporte contém dispositivos que abordam esse dever. No entanto, o novo texto traz um Estado muito mais interventivo, o que pode gerar efeitos contrårios aos pretendidos.


Com efeito, a legislação então em vigor apresenta uma ação indutiva do Estado, que mudarå com a Lei Geral do Esporte.


No que importa para esses primeiros comentårios, vejo com cautela a criação desses mecanismos interventivos, em especial na atual conjuntura econÎmica que tem demandado a adoção de medidas de austeridade ao Estado brasileiro, a despeito da adoção ou não dessas medidas.


Veja que, inobstante a Constituição da RepĂșblica circunscreva o dever do Estado de fomentar o esporte, princĂ­pio reproduzido no artigo 2Âș, inciso V, da Lei PelĂ©, nĂŁo hĂĄ na legislação em vigor normas que, a princĂ­pio, regulamentem a atuação do poder pĂșblico como agente que protagonize a promoção do esporte.


Nesse aspecto, o Estado atua muito mais através da concessão de incentivos fiscais às entidades desportivas, como disciplinado, v.g., na Lei de Incentivo ao Esporte (Lei 11.438/2006), sendo esta uma maneira de atender a este dever constitucional.


Para que se exemplifique a dimensĂŁo da questĂŁo a ser alterada, vejamos o que diz o artigo 3Âș, § 1Âș, da nova Lei Geral do Esporte:


Art. 3Âș Todos tĂȘm direito Ă  prĂĄtica esportiva em suas mĂșltiplas e variadas manifestaçÔes. § 1Âș A promoção, o fomento e o desenvolvimento de atividades fĂ­sicas para todos, como direito social, notadamente Ă s pessoas com deficiĂȘncia e Ă s pessoas em vulnerabilidade social, sĂŁo deveres do Estado e possuem carĂĄter de interesse pĂșblico geral.

Tal previsão representa um claro risco, no futuro, de propagação de açÔes judiciais visando à implementação de mecanismos que propiciem à população a pråtica desportiva.


Logicamente, ninguĂ©m nega a importĂąncia dos exercĂ­cios fĂ­sicos para a saĂșde e para a inclusĂŁo social, mas colocar mais essa obrigação sobre os ombros do jĂĄ combalido Estado brasileiro inevitavelmente trarĂĄ, em Ășltima instĂąncia, mais ĂŽnus Ă  população como um todo na forma de mais impostos.


Nesse particular, importa salientar que a previsĂŁo de criação do Fundo Nacional do Esporte foi vetada pela presidĂȘncia, o que torna a questĂŁo sobre a proveniĂȘncia dos recursos pĂșblicos para o fomento ainda mais tormentosa.


Contudo, mesmo que a criação do Fundo Nacional do Esporte seja mantida pelo Congresso, que ainda analisarå os vetos presidenciais, arrisco dizer que apenas os valores arrecadados ao FNE, que jå serå certamente composto pelo aumento da carga tributåria, não sanarão a quantidade de demandas e condenaçÔes que poderão surgir.


Isso porque os mecanismos interventivos criados pela Lei Geral do Esporte tĂȘm um escopo bem amplo, que abrem espaço para interpretaçÔes. Exemplo de algo nesse sentido Ă© visto no Ăąmbito do direito universal Ă  saĂșde, tambĂ©m inscrito em nossa Constituição (art. 6Âș), onde vemos a crescente judicialização da saĂșde, impondo ao Estado o custeio de tratamentos e medicamentos.


Portanto, sem a pretensĂŁo de esgotar o tema, fica a reflexĂŁo inicial acerca dessa parte especĂ­fica do texto.


Com o devido respeito, não podemos mais cair no erro de editar leis que confiram ou regulamentem direitos universais sem a constatação do que isso realmente significa em termos econÎmicos e financeiros.


NĂŁo podemos esquecer que, conforme dito por Margaret Thatcher, “nĂŁo existe essa coisa de dinheiro pĂșblico; existe apenas o dinheiro dos pagadores de impostos”. Ou seja, quanto maiores as obrigaçÔes que conferirmos ao Estado, maior serĂĄ a espoliação do contribuinte.


André Tisi

 
 
 
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